O texto é longo mas, para quem se interessa pelo assunto, vale a pena ler até o final.
(Leonardo Oliveira de Araújo – ICTYS)
Um dos conceitos mais intrigantes na tradição religiosa, mística e esotérica é, sem dúvida, o da personificação do mal. Um ente inspirador e fonte de todo o infortúnio humano e, por que não, divino. Sua denominação migra dentre várias raízes da qual nossa língua apoderou-se, tendo algumas das denominações mais comuns as de Satã, Diabo, Demônio, Lúcifer dentre outras várias.
Para tal pesquisa, nos apoiaremos num resumo da dissertação de mestrado, na FE-USP, de Julva Moreira (graduado em filosofia, doutor e mestre pela FE-USP, Prof de Filosofia e Filosofia da Educação). Além disso, recorreremos a mitos, dentre os mais antigos, de várias tradições do oriente e do ocidente.
Assim encontrei a raízes de algumas das denominações citadas: Satã; sua raiz é opor, obstruir ou acusar. Passou ao grego como Diabolos (caluniador, enganador, difamador, delator, adversário). Ao latim passou como Diabolus. Seu sentido básico ficou de adversário, oponente ou opositor.
Como entender um ser que é puro ódio e perversão? Como admitir que Deus onisciente, onipotente e onipresente tenha um rival, ou criado tal ser, ou sido enganado por aquele que achava ser o maior, ou um dos maiores, dentre seus anjos? Nenhuma destas possibilidades é coerente com os atributos de uma cultura monoteísta, cuja tudo provém de Deus (ou seja qual for a denominação que é dada ao Criador).
Então devemos simplesmente descartar a existência de Satanás? Talvez ele só reflita o lado negro de cada um de nós.
Para ajudar a entender um pouco melhor estas dúvidas e buscar soluções para tais, se faz necessário entender como e quando este conceito aparece na nossa cultura. Será que a Tradição sempre trouxe um Deus e um Anti-deus dentre seus mitos e conhecimentos?
DUALISMO E MONISMO
J. Moreira apresenta a tradição caminhando do monismo para o dualismo. As culturas mais antigas registradas traziam o monismo, ou seja, deuses de uma mesma origem regentes de potências diversas, que tinham suas contra-partes, por vezes formando casais, com cada um agindo hora pelo bem, hora pelo mal. Tinham assim um comportamento bastante humano.
No dualismo há um Deus único, e sua sombra surge como um parâmetro de comparação na medida que se retira toda característica menor deste único Deus, uma vez que a luz só se torna evidente para quem conhece as trevas. Retirada todas as virtudes e incorporadas a Deus, os vícios restantes serão incorporados a outro ser.
A oposição é naturalmente encontrada nas tradições antigas quando apresentam as lutas entre os deuses, como irmãos se digladiando ou uma geração depondo sua predecessora. Mas o conceito de deuses ou deus mau, desprovido de qualquer traço de virtude e de deuses ou deus bom, sem mancha de fraqueza humana e seus vícios, não é apresentado. Aos derrotados, assim como os derrotados em nossas guerras, é atribuído o caráter mau, uma vez que a história é contada pelos vencedores.
Assim, no Irã, os daevas são derrotados pelos ahuras e na Índia os asuras são derrotados pelos devas. Aos derrotados cabem as profundezas, a submissão aos vencedores ou a um deus representante das profundezas (como Ahiman, o senhor das trevas dos iranianos antigos).
Uma legião de potências menores aparece como agentes de males específicos, como fome, doença, frio, etc. Quase sempre forças naturais em ação. Poderiam, e por vezes o eram, ser chamados de demônios, pois sua raiz é daimon (deus menor). Por certo, o apadrinhamento feito por nós à personificação do mal como demônio, uma de suas várias denominações, advém deste contexto, desta relação de tais potências inferiores com atividades, por vezes, nocivas ao homem.
As atribuições de bagunceiro, desordeiro e desregrado correlacionadas com o "senhor do mal" têm um difícil limite com as capacidades e potencialidades divinas, pois o caos que muitas vezes é a fonte mãe dos deuses antigos seria área de pleno domínio deste ser. No hinduísmo, por exemplo, Bhrama é o criador e destruidor do mundo, ou seja, uma das faces deste ser é de destruidor, retornando ao caos primordial da criação tudo o que veio a existir.
O conceito judaico do Diabo deve muito às culturas que floresceram na Mesopotâmia. Eram povos irmãos, com tradições similares, de mesmo berço. A cultura dos judeus que conviveram com os demais povos da Mesopotâmia eram bem similares, vindo um proposital rompimento destas ditas tradições pagãs acontecer mais tarde. A negação da correlação com as culturas irmãs dos povos que lhes eram próximos, levou o povo judeu a rotular de demônios os deuses de outras culturas, proibindo o culto àqueles pelos seus.
Pela pesquisa de J. Moreira, em 600 a.C., no atual Irã, um profeta, de nome Zaratustra, prega algo que será revolucionário aos conceitos até então ensinados. Zaratustra seria o lançador da religião dualista, ou seja, o mal não faz parte da natureza do divino, de Deus, sendo por si um princípio à parte. Assim também nos distanciamos das religiões politeístas e damos início às monoteístas. Senão, vejamos, se alguém destruísse uma barragem gigantesca provocando a morte de milhares ou milhões de pessoas ele seria considerado perverso, sendo julgado pelos homens receberia a pena de morte; seria o mal encarnado. No entanto, deus teria afogado toda a população de Terra, menos a família de Noé, no entanto, ele não se tornou um símbolo da maldade por ter desencadeado o dilúvio. Aos olhos de quem morreu ele teria sido perverso, ao contrário dos agradecidos sobreviventes que tiveram a missão de povoar novamente a Terra.
Pelo jeito, Deus errou ao permitir que esse novo povo se tornasse mal, afinal, o mal voltou com as pessoas.
É mister ressaltar que o monoteísmo não é de forma alguma exclusivamente dualista, embora o dualismo seja essencialmente monoteísta.
Com isso se retira a maldade de Deus. Todo o mal passa a vir de uma fonte externa ao bom e perfeito Deus, tendo existência independente. Esta é uma consequência direta de um raciocínio simplista cuja visão de perfeição divina é incompatível com o mal.
Se recorrermos a Sócrates, que afirmava que não existe mal, apenas ignorância e admitirmos que Deus seja toda a fonte de saber, não poderíamos admitir que a maldade exista Nele, uma vez que Ele tudo sabe. Logo, uma suposta fonte de maldade estaria fora do conceito de Deus.
Ainda na linha dos filósofos gregos, vemos que Platão não via o universo físico, ou melhor, a matéria, como uma emanação do divino. Segundo este filósofo, a matéria era oriunda de um princípio emanado de Deus, sendo a parte caótica que resiste ao ordenamento. Por certo esta ideia de Platão, assim posta ou modificada, afasta ainda mais o "puro mal" de Deus.
Posto assim, a matéria, ou a criação divina, torna-se um ente vivo, um ser com, pelo menos, dois princípios ou polos. Um princípio submisso a Deus, portanto aceita a ordem a acolhe a bondade. O outro princípio presente é refratário a Deus, é caótico, é a fonte do mal. Quanto maior o afastamento da criação, esta última chamada na dissertação de mestrado de J. Moreira simplesmente de matéria, maior é seu comprometimento com a ignorância e menor é sua perfeição. O mal é uma oposição absoluta e completa à fonte do bem, à Deus.
Até este momento vemos uma transformação de conceitos. Saímos de um pluralismo de deuses oriundos de uma só fonte, regidos por um de seus irmãos, deuses estes que têm comportamento bastante humano na medida em que são vulneráveis a erros, paixões, injustiças e, em alguns casos, até mesmo a morte. Nos encaminhamos para uma ideia de que o Criador é perfeito, e na perfeição não há espaço para a ignorância e/ou maldade. Logo este Deus Criador é de fonte de todas as virtudes. Porém, a existência do mal, uma vez que não vem de Deus, obriga uma origem. Como uma sombra que se projeta contrastando com a luz, surge uma fonte independente de maldade, surge o Diabo. Afinal, o que seria do conceito de luz sem o contraste com a sombra. A ideia evolui até isolar o Diabo, em seu conceito populista, na matéria, ou no pior caso, na parte mais afastada de Deus na criação, as profundezas do Tártaro ou da Terra.. Esta linha de raciocínio é fruto do helenismo.
Houve assim uma racionalização do bem e do mal.
ANTIGO TESTAMENTO
Corroborando, ou talvez influenciado por esta última ideia, do Diabo na matéria ou nas profundezas da Terra, a crença apocalíptica afirma que haverá um fim para este mundo que conhecemos, pois o mesmo está dominado pelo mal. Nosso mudo é visto como o reino de Satã (também num conceito geral).
Assim, os demônios são vestidos das conotações imperfeitas antes também atribuídas aos deuses. As "pagãs" guerras míticas narradas que veneravam o lado dos vencedores (deuses) e alijavam os perdedores (outrora deuses, agora demônios), quase como regra colocavam um "chefe" para ambos os lados. O "Rei" de cada facção desses deuses refletiu a figura moderna do Deus Supremo e do Diabo, conforme o dualismo se firmava entre os povos.
O judaísmo, no seu princípio, era monista, como os demais povos irmãos com os quais convivia.
O Antigo Testamento já traz Deus como a origem de tudo. Iavé imperava absolutamente. Era Ele caprichoso e, como uma criança, mandava, alterava, destruía e criava a sua vontade momentânea. O mesmo Deus que cria tudo, resolve destruir sua obra com uma imensa enchente.
Isso dura até o exílio dos hebreus.
Neste ponto uma ideia se firma: enquanto os governantes locais sustentam seu poder pela força, apoiando e sendo apoiada pelos sacerdotes, sua forma de governar e o estilo de vida do povo têm que ser reflexo do viver de seus deuses, ou Deus. Como sustentar ao povo que sacerdotes e Reis façam o que quiser, tenham o dom da morte e da vida, tomem e persigam aqueles que assim decidirem? Para ser o representante de um Deus, ou deuses, que são perfeitos e bondosos, seus governos assim tinham que proceder. Tanto o é que, no exílio, os judeus passam a mudar este conceito. Um Deus piedoso começa a ser exaltado. Um Deus perfeito que tenha piedade de seu povo, que o recompense por tamanho sofrimento com o paraíso é fundamental para que haja uma governabilidade e esperança para tal penúria. O que seria de um povo sem a mínima esperança? Só sua crença poderia trazer este ponto de coalizão, pois a realidade não lhes trazia nenhuma perspectiva de melhora após sucessivas gerações.
Somando-se a essa necessidade as influências e transformações dos povos vizinhos, as ideias dualistas que se firmavam aos poucos, Yavé começa a se divorciar de seu lado sombrio. Aos poucos, este lado renegado de Deus passa a ter uma existência própria.
Em Jó, Satã aparece como um dos filhos de Deus. Sua conotação ali, aparentemente, é como dos demais anjos, um mensageiro. Porém o diálogo que se sucede após este encontro é nitidamente para conduzir a maldade dos acontecimentos vindouros à Jó sob responsabilidade de Satã, livrando Deus como causador de tal lástima.
A palavra Satã tem raiz cujo significado que melhor lhe traduz é "adversário", como já dissemos. Uma vez lida a passagem bíblica acima descrita, pode-se afirmar, com boa dose de certeza, que tal adversário é do homem e não de Deus.
NOVO TESTAMENTO
O fato de Roma ter adotado o cristianismo como religião oficial e as bases judaicas desta fé são, ambas correntes, helenismo e judaísmo, evidentes na formação da figura do Diabo moderno dentro do cristianismo.
Tanto o pensamento helênico, oriundo realmente dos gregos, quanto o judeu já haviam separado o bem do mal, dando ao Criador todo poderoso a face perfeita e bondosa enquanto, por consequência, o mal é rebaixando e excluído da natureza divina de Deus.
Julva Moreira tece uma lista de nomes os quais são referidos ao Diabo no Novo Testamento: Satã, Diabo, Belzebu, Inimigo, Belial, Tentador, Acusador, Maligno, Senhor deste Mundo, Príncipe dos Demônios. Segundo ainda o autor citado, Lúcifer não é utilizado aqui. Isso é propositado, uma vez que seria um contra-senso tal nomeação, pois Lúcifer significa "aquele que porta a luz", um atributo de Jesus Cristo.
Alguns dos nomes retrocitados, são nome de deuses de outras tradições. É natural que isso aconteça, pois o judaísmo e o cristianismo, por uma necessidade de impor suas crenças, passam a proibir culto de divindades estrangeiras, recorrendo até mesmo a apontar tais divindades como demoníacas, a fim de se "eliminar a concorrência" pelo medo, dentre seus fieis, e como forma de aniquilamento de outras religiões "adoradoras" de Satanás. Esta conduta frente a culturas rivais, não era prática incomum entre os povos antigos.
Observa-se também que características modernas do Diabo, em grande parte, eram características de deuses e/ou demônios alienígenas a cultura hebraico-cristã. Baal, filho de El, o Deus supremo de Canaã, era o deus do raio e do trovão. Também era retratado como uma divindade agrícola, ligado à fertilidade. Anath era a irmã virgem de Baal e Mot o deus da esterilidade e morte. O culto da fertilidade Cananéia, um dos principais, estava ligada diretamente a estes três deuses. Dionísio era símbolo da contraposição da matéria e espírito, sendo também o cornudo deus da fertilidade, filho de Zeus. Seus festivais ocorriam à noite, nas trevas, como um ritual de integração através do sexo. O antigo deus babilônio do tempo Adad, parece ser a origem do tridente comumente empunhado pelas figuras apresentadas do Diabo. Tal divindade possuía um triplo relâmpago, que antes até de ser "emprestado" à Satanás se refletiu em Poseidon como um tridente, símbolo do domínio do céu da terra e do mar. Plutão e Hades eram senhores do mundo subterrâneo, julgando os mortos. Assim, cultos que envolvessem sexualidades, tridentes, deuses cornudos, escuridão e trevas passaram a ser correlacionados com o Diabo.
Numa análise simplista, o Novo Testamento pode ser visto como uma luta entre Jesus e Satã pela humanidade. Sem a figura do mal, Jesus não faria sentido, segundo J. Moreira. Lógico que não faria, pois sem o mal a humanidade não teria se distanciado de seu mestre e criador.
Surge um paradoxo interessante aqui: tanto o Homem quanto Lúcifer são tidos como excelências da criação. Ambos transgridem determinações de Deus e caem (são punidos), ou seja, deixam de gozar dos privilegio extraordinários que fazia jus. Porém, a retomada da condição inicial, junto a Deus, requer um sacrifício, o do Cordeiro de Deus, do Adão novamente refeito, do Filho de Deus e, em última instância, de Deus. Ou seja, o Homem erra, instigado pelo mal (liberdade, serpente, Lúcifer, etc.), mas quem paga o preço do erro é Jesus. É uma tríade interessante: o Bem, o Mal e o "Maria vai com as outras".
O termo "queda" é usado amplamente como sinônimo de punição no texto bíblico. Este fato, herdado do judaísmo, é que torna ainda mais confusa a compreensão, em termos mais racionais, do erro de Adão e Eva (erro sim segundo a justiça divina, pois, caso não fosse, Deus estaria sendo falho ao punir injustamente o casal). No sentido vulgo, como admitir que uma criança, pois eram inocentes como tais, fique durante, digamos, duas horas diante de ovos de chocolate, durante a páscoa, sem tocá-los, simplesmente por que um adulto falou que ela não poderia comer chocolate? Possível é, porém pouco provável, ainda mais se forem duas crianças (a tradição oral é sábia neste sentido, mas aqui, nesse ponto em especial, nos estamos seguindo o que está escrito somente).
Alguns dos mitos mais antigos da criação do Homem e do mundo não tratam a saída do paraíso (uma das punições aplicada, me parece a mais grave), como uma censura, apenas uma consequência da vontade do homem, portanto um prosseguimento natural de seu impulso interno, oriundo de sua própria natureza, o que lhe traz as consequências de sua nova condição.
Se recorrermos à tradução, talvez mais rigorosa, citada por Eliphas Levi e atribuída a Fabre d´Olivet, a palavra hebraica NAHASCH, que nos foi trazida como SERPENTE na narrativa do Gêneses, deve ser lida como CUPIDEZ, ou seja, "um impulso irresistível", uma vontade que nos fascina e subjuga quaisquer outras paixões. Há aí uma aproximação entre o mito hebreu e o dos povos contemporâneos ou mais antigos ainda que os mesmos, que viveram na Mesopotâmia.
Porém, tal sentido foi conduzido em uma direção diferente e com propósitos claros.
A sugestão que liga a Serpente do Paraíso a Lúcifer é bem elucidada ao lermos a Introdução do volume Ritual do livro Dogma e Ritual da Alta Magia, de Eliphas Levi, onde Lúcifer aparece como um anjo e sua missão o correlaciona com os cometas. Um ser cuja liberdade, o movimento, é parte indispensável de sua essência. É interessante ver que Aleister Crowley descreve o último de seus arcanos do Tarô como "O Cometa", figura que no Tarô tradicional só pode ser correlacionada com o louco. Um evangelho gnóstico, encontrado no oriente, é transcrito por Levi, no trecho do livro de sua autoria citado. Seu texto mostra, com impressionante clareza, o que seria a serpente, Lúcifer, a Luz (Od), a cupidez e a correlação destes com a criação e Deus.
O SER MENTAL
Gilberte Durand, atribuído por Moreira a Escola de Eranos juntamente com C. G. Jung, Mircea Eliade, Joseph Campbell, Herbert Read e outros, afirma sobre o imaginário:
"…o conjunto de imagens e relações de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens (…) o grande denominador fundamental onde se vêm encontrar todas as criações do pensamento humano."
O valor dos mitos como portadores de uma verdade maior que deve ser passada, ou seja, o canal de divulgação de um recado ao subconsciente humano, é modernamente reconhecido pela ciência. Os mitos das culturas suméria, mesopotâmica, hebreia, egípcia, síria, dentre várias outras, falavam de tais conceitos tidos por essas como universais.
Esta linguagem universal falada ao subconsciente é de enraizamento tal que transparece como verdades simbólicas da existência humana, formando a teia de fundo da educação que herdamos. Um imenso número de gerações educadas dentro de tais doutrinas resulta numa imensa resistência em abandonar os conceitos já passados e assimilados. A transformação ou adaptação desta ideias fixadas é o melhor caminho caso se queira introduzir um conceito que colida com tais verdades. Por fim, se suprime totalmente a primeira ideia pela nova que se mostra mais próxima da verdade.
Sobre nosso imaginário, podemos citar ainda o fato de que gostamos de personalizar tudo. O amor vira uma flecha despachada por um menininho de cabelos encaracolados e bumbum nu; a morte é um esqueleto com um sobretudo negro e uma foice. Diversos são os exemplos similares a estes. A bem da verdade, é muito cômodo à humanidade se livrar do fardo de culpas e despejá-lo em alguém, de existência real ou não. É comum fazermos isto modernamente, nos explicando através de frases tipo "Desculpa, aquele não era eu!"
Uma vez associada à imagem de um personagem, fictício ou real, a uma série de comportamentos, características, atributos e disseminada esta característica no seio popular, a lembrança de tal personagem no conjunto de uma obra tem sua associação imediatamente vinculada a todo o conjunto. Isso é uma técnica moderna de Marketing. Exemplificando: ao vermos um comercial de um automóvel associado a determinado atleta famoso, inconscientemente fazemos a ligação de tal veículo aos desempenhos impressionantes do atleta, ou que comprando esse carro teremos nossa imagem emparelhada com a do atleta. Quem não se lembra da coca-cola ao escutar a música tema de seus comerciais?
Uma vez esclarecida esta usual e atual técnica de propaganda, fica mais fácil compreender que, diante de uma população amedrontada e supersticiosa, os cultos ou simples atos de povos ditos pagãos, por possuírem característica(s) que seja(m) ligada(s) a um suposto Satanás, são tidas como uma ameaça a Deus. Cria-se assim um ser mental, na população em geral, capaz de um eficaz controle longe das vistas das autoridades que se autodenominaram ditadoras da "moral em bons costumes".
É claro que alguns privilegiados perceberão tais engodos e, com o tempo, perderão o interesse sobre o estudo de tais assuntos, deixando esses para poucos que consigam ter a elucidação de tais supostos contra-sensos e conveniência que, em sua maioria, fazem parte da rede tecida já ligada à malha controladora.
CONCLUSÃO
A histórica e a paulatina racionalização do mal, a consequente separação entre as naturezas do perfeito e do imperfeito, a necessidade dos governantes de justificar aos governados um estilo de vida ou de manter a coesão baseada numa poderosa esperança, bem como a imposição de uma cultural sobre outra, são fatos imperiosos na concepção moderna de Satanás.
Não se pode negar, diante do que foi exposto, que tal figura foi construída ao longo dos séculos. Porém a existência da personificação do mal pode ser descartada apenas por tais argumentos, por ser o Diabo uma figura necessária a religiões modernas e culturas do passado?
Ficou claro, ao meu ponto de vista, que Satã, como é visto pela população em geral e temas de ficção existem como uma imagem subconsciente criada deliberadamente.
Paro aqui de citar fatos e entro no campo da especulação e da razão.
Quais das modernas religiões, que merecem assim serem chamadas, não trazem o ápice da humanidade como o reencontro com seu Criador, levando o Homem a uma condição novamente divina, caminhando sob as vistas de Deus, e, por vezes, ao seu lado, no Paraíso? É comum às religiões, seja por qual processo for, a remissão dos erros no "fim dos tempos". Após este "dia" a humanidade deixará de ser "tentada". Seremos dignos de sermos chamados de Filhos de Deus.
Numa condição final, como esta supracitada, qual seria a diferença entre mim e você? Nesta condição de união a Deus, alguém pensaria e/ou agiria diferentemente de outro irmão? O amor, o poder e a sabedoria divina não seriam concedidos como graça a todos (sejam estes quais cada religião entender)? Não estaríamos num nivelamento uniforme, embora isto não exclua de executarmos diferentes funções (se ainda houver)? Todas as mentes estariam unidas a Tríade Superior, especialmente a Kether (aos cabalistas).
Como isso, o que a cabala nos traz relativo à criação do Homem como um ser, parece ter seu fecho como uno também.
Da fonte de tudo, do Criador, de Deus, tudo que falássemos seria diminuir sua grandeza. Mas uma certeza podemos ter: Nele, tudo é um só, a perfeita Unidade. A ciência também nos confirma que no instante inicial da criação tudo o que existe e virá a existir estava condensado em uma só energia, na qual nada se diferenciava. Nosso universo físico nada mais faz que testemunhar e continuar o processo da criação.
Deixando então a natureza de Deus um tanto que encoberta e indo somente a perfeição da criatura, parece lógico afirmar que em Iod-Shava, como foi concebido, não tem ideia de indivíduo além de si e de seu Criador. A multiplicidade de consciências e individualidades só é experimentada com a criação dos planos inferiores, em particular de Malkut.
Alguém poderia supor uma maldade que não fosse a outro(s)? A quem um só desejaria se impor ou sobressair-se? Como teria um ser único qualquer espécie de prazer de penúria alheia se não existisse o alheio? Que espécie de mal poderia se supor sem individualidade? Nem a maldade contra si encontraria argumento de justificativa, pois se só existisse Criador e criatura, a quem mais poderia estar voltada a atenção do Pai senão ao seu filho?
A ideia de indivíduo, do eu e do você, de limites do "eu" e do "não eu" em associação com um "esquecimento" da natureza única de toda e existência, provoca a individualidade. Somente com a individualidade é que o chamado "mal" tem possibilidade de existir. Por isso, o mal é atribuído à matéria, pois essa é o símbolo da individualização.
A potência ou característica de Deus (eloha) “consciência de Si Mesmo”, na Unidade, não é destrutiva, porém numa pluralidade, pode o ser.
Se tudo que existe, até mesmo os planos da criação e suas potências (deuses, anjos, etc.), são criaturas de Deus, trazem este em sua natureza. A perfeição é uma semente em cada um de nós. Assim sendo, um mal absoluto, para mim, não faz sentido.
Sugestão de Nélio Azevedo
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