quarta-feira, 24 de julho de 2013

BRASIL, a cultura escravagista da desigualdade

lazaro

 

 

Por Lázaro Freire


Me emocionei com as falas do Papa e de Dilma no sentido de combater a DESIGUALDADE e de criticar modelos "econômicos" insensíveis onde o Estado não intervém a favor da população carente. Vaticano e governo tem pontos passíveis de críticas. Mas isso não importa nesse momento, trata-se de chefes de estado representando milhões e discutindo questões humanitárias e sociais de relevância mundial.

O papa tem tradição direitista e de apoio aos militares, e Dilma na época jogava no time contrário. Mas ISSO NÃO IMPORTA nesse momento e tópico. Não se trata de política, mas sim de COMBATE À DESIGUALDADE, algo com que TODOS [c̶o̶n̶c̶o̶r̶d̶a̶m̶] deveriam concordar. Trata-se do discernimento que devemos ter contra ideologias e políticas que promovam a meritocracia e o Estado-Zero - pelo risco de, na prática, favorecermos os mais poderosos - enquanto nossa insensibilidade à dor alheia é comprada com alguns iPhones ou programas de milhagem.

O papa é católico e costuma ser aclamado, Dilma parece laica ou agnóstica e costuma ser vaiada. Mas ISSO NÃO IMPORTA aqui, não se trata de religião ou popularidade, mas sim de COMBATE à DESIGUALDADE. E desigualdade só interessa aos que se beneficiam da miséria alheia.

Numa cultura sem redistribuição de impostos, sem (nenhuma) intervenção do Estado - na economia, na saúde, na educação - o que fazemos é dizer aos (muito) mais fracos que "cada um" deve se haver "com seus problemas". É retornar aos poucos à lei da selva, é rasgar aos poucos o contrato social que nos mantém minimamente humanos e civilizados, é retornar ao Estado de Natureza - no mau sentido Hobbesiano do termo - sem possibilidade de um Leviatã. É cruzamos os braços à dor, fome e doença alheia, mais interessados que estamos nos benefícios à nossa classe social, [à̶ ̶r̶e̶s̶e̶r̶v̶a̶ ̶d̶e̶ ̶m̶e̶r̶c̶a̶d̶o̶ ̶c̶o̶r̶p̶o̶r̶a̶t̶i̶v̶i̶s̶t̶a̶ ̶d̶e̶ ̶n̶o̶s̶s̶a̶ ̶p̶r̶o̶f̶i̶s̶s̶ã̶o̶] ao nosso partido favorito, à nossa causa em particular - [e̶ ̶o̶ ̶p̶o̶v̶o̶ ̶q̶u̶e̶ ̶s̶e̶ ̶d̶a̶n̶e̶] em detrimento da população.

Nisso, ambos concordam, o Papa e Dilma. Desavenças políticas, críticas, erros e acusações são normais na política de qualquer país. Não quero discutir aqui se os Democratas ou os Republicanos roubam mais, se somos Corinthians ou Palmeiras, ARENA ou MDB. Mas o que mais me [d̶á̶ ̶v̶o̶n̶t̶a̶d̶e̶ ̶d̶e̶ ̶v̶o̶m̶i̶t̶a̶r̶] INCOMODA é uma larga parcela da sociedade mais favorecida - e da imprensa, e das redes sociais - que ataca o governo não tanto pela política em si, mas no fundo por NÃO SUPORTAR INCLUSÃO SOCIAL:
- Gente que não tem tradição política, mas que vem às redes para dizer, "brincando", que "Odeia pobre" (se espelhando em fotos de Caco Antibes).

- Gente que diz gostar de Jesus Cristo, mas convenientemente "rasga" as muitas páginas do Evangelho sobre igualdade social.
- Gente que ri ou agride quando o pobre usa algo da mesma marca que a dele.


- Gente que está em São Paulo graças a imigrantes pobres de sua família, gente que ainda assina sobrenomes estrangeiros, gente que só fez faculdade hoje devido à acolhida que seus antepassados receberam quando eram ELES os miseráveis - mas que hoje em dia discrimina imigrantes pobres até mesmo quando NATIVOS do Nordeste do país que acolheu seus antepassados. E incoerentemente são contra até mesmo bolsas para que estes pobres que não querem "aqui" permaneçam (bem) por "lá" na sua terra.
- Gente que reclama que os aeroportos agora "parecerem rodoviária". Ou seja, mais populares. Ou seja, menos elitistas. E não porque está cheio, pois esta mesma gente enfrenta filas bem maiores nas imigrações fora do país. Mas por estar cheio... de "pobres".
- Gente que briga contra metrô em seu bairro higiênico, para "afastar gente diferenciada".
- Gente que chama assistência social de "esmola" (repare o termo elitista), mas que no fundo não se importa de [p̶o̶b̶r̶e̶ ̶t̶e̶r̶ ̶m̶a̶i̶s̶ ̶é̶ ̶q̶u̶e̶ ̶m̶o̶r̶r̶e̶r̶] não dar nada para quem ele vê como "mendigo".
- Gente que ataca o médico estrangeiro (desconhecido) que (vier a) aceitar certas vagas o chamando de  "mendicante" (repare o termo elitista) ou "incompetente", mas que no fundo não quer ir para "lá", e não se importa de [p̶o̶b̶r̶e̶ ̶t̶e̶r̶ ̶m̶a̶i̶s̶ ̶é̶ ̶q̶u̶e̶ ̶m̶o̶r̶r̶e̶r̶] deixar o tal paciente de "lá" sem médico algum.
- Gente "de cá", que preferia não ver que existe gente "de lá", especialmente se isso lhes tomar privilégios, votos ou impostos.
- Gente que diz que é espírita ou espiritualista, mas que na prática despreza raças ou classes sociais que, segundo suas crenças reencarnacionistas, poderiam perfeitamente ser a deles mesmos no ontem. Ou no amanhã. ;-)
- Gente que é contra pagar bolsas sociais para o que chamam de "vagabundos" (repare o termo elitista) e "desempregados", dizendo que isso é coisa eleitoreira do Brasil, mas que desconhece haver benefícios similares muito maiores nos EUA que admiram, país que tenta trazer mais pessoas para a classe média, e não afastar os [e̶s̶c̶r̶a̶v̶o̶s̶] pobres como fazemos aqui.
- Gente que acha que o imposto dos ricos deve beneficiar preferencialmente os ricos, e que a melhor política (quando estão por cima) é a lei da selva, cada um por si.

Como diz a Danuza Leão, "Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?". Ora, supunha-se que alguém fosse por gostar do musical ou da cidade, e não para se afirmar maior que - veja só quem - o porteiro.

Essa frase acima resume o que somos, O PAÍS DA DESIGUALDADE. No fundo, nós a CULTUAMOS. Não se trata de ser de esquerda ou direita, de ser país pobre ou país rico. Países ricos (sejam neoliberais como a ideologia do PSDB e EUA ou social-democratas como a do PT e parte da Europa), tem em comum promover IGUALDADE e INCLUSÃO. Nós não:
- Ao contrário dos países ricos, nós somos o país do frentista de posto e da empregada doméstica.
- Ao contrário dos países ricos, nós somos o país onde a pessoa é o carro que tem - ou mais ainda, a que se define por ter aquilo que o outro NÃO tem.
- Ao contrário dos países ricos, nós somos onde membros da mesma equipe de trabalho se separam em restaurantes diferentes no horário do almoço, não por gosto, mas por casa-grande e senzala.
- Somos o país que tem orgulho de suas favelas no morro em frente, que não só atestam a diferença a meu favor como garante que a empregada doméstica não demore a chegar.

CULTURA ESCRAVAGISTA!!! E já que o assunto é Papa, boa parte desses ainda se declaram "cristãos", "espiritualistas" ou "evangélicos". Abolimos a escravidão no papel, mas mantemos a CULTURA ESCRAVAGISTA dentro de nós. Somos MISERÁVEIS enquanto cultuamos a MISÉRIA ao nosso redor, enquanto formos meritocratas insensíveis à dor alheia, enquanto combatemos visceralmente qualquer programa, política ou medida que, mesmo mantendo nossos privilégios, os estendam a mais alguém.

MEU PONTO é que esta questão não é política ou econômica - países ricos e neoliberais podem ser mais igualitários - mas sim CULTURAL. A "elite" brasileira gosta de ser a "Casa Grande", e diante da globalização, comporta-se como aquelas antigas famílias de coluna social jeca do interior: roupas "de marca" compradas na promoção do outlet da "capital" (que agora é Miami), jovens arrogantes que se reúnem em função de posses-bebida-pegacão, famílias que se reúnem nos seus sofás em L e vivem em função de seu status. Não por acaso, quando vamos para fora do país, nos comportamos como os novos ricos, a alegria dos comerciantes de lá, comprando de tudo - mas sem sabermos sequer como nos comportar. Que a cidade me perdoe pelo uso intencional do estereótipo, mas o Brasil é uma espécie de Barretos da Nova Ordem Mundial!!! Talvez por isso os Jardins ataquem tanto os novos ricos da Zona Leste, e São Paulo da capital ataque tanto seus caipiras do interior, e assim não notarem o quanto são iguais.

Nesse sentido, me EMOCIONEI vendo a identidade dos discursos do Papa e da Presidente (sic) Dilma. Me EMOCIONEI sabendo que discutiam programas sociais extensíveis à África, pois a dor da humanidade não termina com as fronteiras político partidárias. Cabem mil críticas ao Vaticano e à Dilma, bem sei, mas isso NÃO IMPORTA nesse tópico e momento. Justiça seja feita, ambos trabalham contra este triste princípio, o da DESIGUALDADE. E vejo que muitos lançam mão dos defeitos do Papa, da Dilma ou de quem for não tanto para se opor a eles, mas no fundo para manter certas coisas - elitistas, meritocráticas, corporativistas, escravagistas - como estão. Se pudessem, essa gente proibiria os votos da classe CDE. Se pudessem, essa gente criaria um Distrito-9 para todas as centenas de milhões de aliens diferenciados. Sem notar que a minoria isolada e alienada é ela mesma, ilha higienopolicamente sitiada nos Jardins, Pitubas, Savassis e Leblons; cegas e indiferentes a um gigantesco mar de desigualdade ao seu redor.

Lázaro Freire, filósofo e psicanalista

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OBS 1: Não sou católico nem petista, embora já tenha aprendido muito no passado com ambos, antes das críticas que tenho a eles se tornarem mais importantes no meu momento. Hoje penso mais próximo do espiritualismo e do PSOL, embora não feche com nenhum dos dois. Sou o que sou, e acredito que no futuro não deveria haver uma religião única para todos, mas sim tantas religiões quantos forem os homens. Mas como disse, não se trata de discutir política ou religião nesse momento. A individualidade de pensamento não deve superar o bem comum, pois, como sabiam os gretos, o coletivo da pólis, o social, é o próprio bem individual e familiar elevado ao mais alto grau.

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OBS 2: Segue texto para reflexão, comparando diretamente um país desenvolvido onde há a cultura da IGUALDADE vérsus a cultura ESCRAVAGISTA do Brasil:
http://blog.daniduc.net/2009/09/14/da-relacao-direta-entre-ter-de-limpar-seu-banheiro-voce-mesmo-e-poder-abrir-sem-medo-um-mac-book-no-onibus/

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