sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Maytê

Por Jaeder Teixeira Gomes

Ela fez tudo direitinho. Soube esperar e trabalhar sua própria estrutura no ninho materno, construindo com maestria cada detalhe para que se tornasse uma menina perfeita, em conformidade com a natureza. Tudo andou bem no binômio feto-útero, até o momento em que dependeram de uma terceira força que deveria vir do mundo exterior. Fracassaram, se atrapalharam e, se não lhe roubaram a vida, roubaram-lhe a vitalidade e a mobilidade a que teria direito.

Hoje, com quatro anos de vida, Maytê dá aulas de sabedoria a quem se permite observá-la. Reflete para nós aquela luz rara e autêntica que brota de sua alminha intocada. Seus movimentos desdenham das contorções e pinotes elétricos das crianças da sua idade e se limitam a pacientes manobras naturais. Os fragmentos de palavras que já consegue balbuciar, ditados pela cumplicidade incondicional dos seus pais, são verdades inteiras de uma sabedoria interior, que não encontram unidade de medida no nosso mundo surreal. O seu olhar é uma pergunta incapaz de ser traduzida e processada no nosso reduzido código de vocábulos. O observador, na completa impossibilidade de decifrar seus recados etéreos, se vê irremediavelmente transportado com ela a um mundo de paz. Paz inquietante, já que vem desalojar fardos de inúteis conceitos, colocados à força dentro do nosso discernimento elástico. E nós, que buscamos incansavelmente uma competência baseada na força, recebemos dela este recado de atalho a nos ligar diretamente à fonte de toda sabedoria, todo objetivo, toda vida.

Felizes papais Dário e Juliana, por viverem constantemente com Maytê nesta redoma refratária aos expedientes rasteiros. Feliz cada um de nós que, entre os progressos e os tropeços, descobre em si mesmo a sua própria Maytê.

Conto extraído do livro “Pelo Buraco da Fechadura”, do escritor e poeta Jaeder Teixeira Gomes

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