sábado, 18 de junho de 2011

Inculta e bela

P. PERINI-SANTOS E B. VIANNA
Doutores em linguística (UFMG)

Publicado no Jornal OTEMPO em 16/06/2011

Linguistas por formação e ofício, sentimo-nos no dever de comentar sobre os ditos erros no livro de português que o MEC avalizou. Vamos explicar de forma simples para que o Clóvis Rossi, o Merval Pereira, o Arnaldo Jabor, a Viviane Mosé, o Milton Jung, o Alexandre Garcia, o Carlos Monforte, o Reinaldo Azevedo e o Cristovam Buarque entendam.

O livro "Para uma Vida Melhor" fala sobre algo que acontece em todo país: as pessoas são julgadas pelo jeito como falam. Isso se chama preconceito linguístico e tem consequências graves.

Vítimas de preconceito linguístico, muitas pessoas deixam a escola, abandonam consultas médicas e reivindicações trabalhistas e não conversam com os filhos e colegas de trabalho.

Quando nos sentimos constrangidos pela fala, nos calamos e sofremos com isso. O termo "norma culta" é tão absurdo quanto falar de "bairros nobres" por supor o oposto e, a esse oposto, atribuir valores negativos.

Nada mais sendo variável (um problema neurológico ou emocional extremo), todo jovem aprende a variante linguística de sua família e comunidade. Esse é um fato linguístico. E escrita não é língua, mas um sistema normatizado de codificação que abarca uma ou mais variantes da língua.

A escrita difere da língua falada nos mais variados aspectos, inclusive da variante padrão.

A escola deve ensinar aos alunos um padrão normativo nacional, mas não há como um linguista sensato falar que erros de concordância (como "os bicho") sejam ataques à gramática da língua portuguesa do Brasil. Isso é uma ocorrência linguística que faz parte do nosso uso corriqueiro.

O resultado educacional do preconceito linguístico aí está: crianças aprendendo que sua família e amigos "falam errado", o que gera problemas para a vida toda. Considerar a fala espontânea, as variações regionais e pessoais é o melhor caminho para amadurecer o uso do texto escrito e oral. As pessoas já se expressam bem, e os desafios escolares são ajudar os alunos a utilizar a variante padrão no contexto adequado, adequar o texto oral à forma escrita, aprender a interpretar e argumentar a partir da leitura dos textos e amadurecer a consciência de que a gente deve se expressar do jeito apropriado à situação comunicativa que se vive.

Manifestações gramaticais prescritivas, como as que ocorreram na mídia, geram agressividade e aumentam a arrogância com que tratamos as pessoas que se desviam do modelo padrão. Uma simples pitada de diferença no uso da fala, citada no livro, justificou uma violência verbal de dimensões histéricas.

Os intelectuais que nomeamos acima não entendem bulhufas de linguística. Erram na terminologia técnica e na interpretação do texto do livro, não conhecem a literatura científica, distorcem informações e não têm formação apropriada para falar sobre o tema. As consequências de sua fala são graves, pois eles são formadores de opinião. Além de errada, a opinião por eles divulgada é nociva.

Sugestão de Nélio Azevedo

Um comentário:

  1. Infelizmente, tenho de considerar lastimável as considerações dos "Doutores" Perini e Viana.

    Não vou entrar no mérito da discussão que a imprensa golpista tenta impor neste capítulo dos livros que, SIM, possuem ERROS gramaticais GRAVES e INACEITÁVEIS.

    O que pretendo é fazer distinção entre o que é linguagem coloquial, esta que praticamos cotidianamente, na roda de amigos, em alguns ambientes de trabalho, em casa com a família. O Coloquial, de fato, constitui-se de um pouco de tudo daquilo que ouvimos e falamos em nosso meio.

    Mas a existência da linguagem coloquial de forma alguma pode servir de arremedo para substituir a norma culta da língua portuguesa. Sinceramente, chega a ser asqueroso linguistas, doutores, defendendo que se tenham nas escolas livros nos quais NOSSAS CRIANÇA, nas quais depositamos a esperança de ver algo mudar de fato neste país, aprenderão de forma grotesca que falar e escrever errado não tem nada demais. Aliás, é exatamente o que dizem nas entrelinhas: aluno pobre, de escola pública, tem que chegar ao Ensino Médio semi-analfabeto e se contentar com sua condição de ser inferior.

    Enfim, lamento que pessoas que tiveram a oportunidade ímpar de chegar tão longe na carreira acadêmica, ambos fazendo parte da "elite intelectual" do país, defendam de forma tão vazia que, no lugar de materiais de qualidade, densos, que instiguem e façam com que o aluno se sobressaia pela competência, em vez de calar-se como alegaram os doutores por causa de sua suposta "burrice", que foi apenas o que faltou dizerem a respeito de nossas crianças e adolescentes.

    A Educação é o pilar, é o único caminho pra fazer deste país um lugar decente de verdade, e não podemos admitir que seja tratada como mera obrigação constitucional. Que cada aluno deste país tenha orgulho de conhecer, profundamente, nossa língua pátria, sem que para isso tenha de abrir mão de seus colóquios e de sua liberdade de expressão.

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