segunda-feira, 23 de maio de 2011

Polêmica ou ignorância?

Marcos Bagno
Universidade de Brasília
www.marcosbagno.com.br

Para surpresa de ninguém, a coisa se repetiu. A grande imprensa brasileira mais
uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a respeito do que se faz hoje no
mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua.

Jornalistas desinformados abrem um livro didático, leem metade de meia página
e saem falando coisas que depõem sempre muito mais contra eles mesmos do
que eles mesmos pensam (se é que pensam nisso, prepotentemente
convencidos que são, quase todos, de que detêm o absoluto poder da
informação).

Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais
de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no
mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação abordam o tema
da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula. Não é coisa de
petista, fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira
e seus colegas explanadores do óbvio.

Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos
de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da
variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua
viva falada no mundo, a mudança irreprimível que transformou, tem
transformado, transforma e transformará qualquer idioma usado por uma
comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os
alunos provenientes das chamadas “classes populares” poderão se reconhecer
no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E, é claro,
com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada vez mais dessas
mesmas “classes populares”, esses mesmos profissionais entenderão que seu
modo de falar, e o de seus aprendizes, não é feio, nem errado, nem tosco, é
apenas uma língua diferente daquela — devidamente fossilizada e conservada
em formol — que a tradição normativa tenta preservar a ferro e fogo,
principalmente nos últimos tempos, com a chegada aos novos meios de
comunicação de pseudoespecialistas que, amparados em tecnologias
inovadoras, tentam vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre.

Enquanto não se reconhecer a especificidade do português brasileiro dentro do
conjunto de línguas derivadas do português quinhentista transplantados para as
colônias, enquanto não se reconhecer que o português brasileiro é uma língua
em si, com gramática própria, diferente da do português europeu, teremos de
conviver com essas situações no mínimo patéticas.

A principal característica dos discursos marcadamente ideologizados (sejam
eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade de ver as coisas em
perspectiva contínua, em redes complexas de elementos que se cruzam e
entrecruzam, em ciclos constantes. Nesses discursos só existe o preto e o
branco, o masculino e o feminino, o mocinho e o bandido, o certo e o errado e
por aí vai.

Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que “o homem vem do
macaco”. Ele disse, sim, que humanos e demais primatas deviam ter se
originado de um ancestral comum. Mas essa visão mais sofisticada não
interessava ao fundamentalismo religioso que precisava de um lema distorcido
como “o homem vem do macaco” para empreender sua campanha
obscurantista, que permanece em voga até hoje (inclusive no discurso da
candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado).

Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse
ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais
distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados
em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais
vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa não
significa automaticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade
linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los ao
mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola
ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso
repetir isso a todo momento.

Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”,
porque essa regra gramatical (sim, caros leigos, é uma regra gramatical) já faz
parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso
ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”, porque ela não faz parte da
gramática da maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda
servir de arame farpado entre os que falam “certo” e os que falam “errado”, é
dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos, de modo que eles — se
julgarem pertinente, adequado e necessário — possam vir a usá-la
TAMBÉM. O problema da ideologia purista é esse também. Seus defensores
não conseguem admitir que tanto faz dizer assisti o filme quanto assiti ao filme,
que a palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos, como dizem
101% dos brasileiros) quanto no plural (os óculos, como dizem dois ou três
gatos pingados).

O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco de masoquismo) é
ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”, no exato momento em que
a defendem, empregar regras linguísticas que a tradição normativa que eles
acham que defendem rejeitaria imediatamente. Pois ontem, vendo o Jornal das
Dez, da GloboNews, ouvi da boca do sr. Carlos Monforte essa deliciosa
pergunta: “Como é que fica então as concordâncias?”. Ora, sr. Monforte, eu lhe
devolvo a pergunta: “E as concordâncias, como é que ficam então?

Baixe o 1º Capítulo do Livro AQUI

13 comentários:

  1. Engraçado Pascoal, que o cara defende que a língua se torne cada vez mais medíocre. Não concordo em nehuma parte do que ele diz. Nunca vou se favor de uma coisa que deixa a língua mais medíocre. Jamais vou ser a favor de falar "Os pão", "As abóboras", entre outros. É totalmente ridículo achar que essa forma de variação por ser falada, deve ser uma forma aceita. Em nenhum país isso existe. As pessoas só falam errado, porque educação no Brasil é pífia. Antes do autor do texto falar que a mídia está toda errada, eu digo que ele deveria pensar melhor em uma situação que deixa o idíoma medóicre.Ora bolas, escrever certo e falr certo só depende de quem quer. Basta ler bastante. Não é caso de curso superior e nem nada.

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  2. Caro anônimo das 12:23, não entendi assim. O que ele está colocando em evidência é que falamos de um jeito e escrevemos de outro. O autor do livro não entende isso como erro, mas como forma inadequada de utilizar a língua. Ele, inclusive, deixou bem claro que a própria grande imprensa brasileira que condena o livro também erra, e muito, como no caso do jornalista da Globo News, Carlos Monfort, no Jornal das Dez. Jornalista que se utiliza da forma inadequada da língua é que não poderia criticar mesmo.

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  3. Ok então, se você acha legal " Pra mim fazer" e não pra eu "fazer", ou uma concordância adequada, eu não posso fazer nada. O caso Pascoal, realmente não podemos ter o tal preconceito na lingua falada,o problema Pascoal, que a flexibilização da concordância vai fazer com que essa nova forma seja aceita. E ai eu te pergunto: Se está escrito no livro, porque então a pessoa tem que ter dicernimento de onde falar? Se o livro aprova, portanto pode ser no Palácio do Planalto ou pode ser o nosso presidente. Qual o problema? Vamos flexibilizar a língua, vamos aceitar novas concordâncias, mas ai queremos que ela seja escolhida as diferentes formas, dependendo do local? Me parece um pouco contraditório. Principlamente, quando estamos tratando de um país que a educação nunca foi prioridade efetivamente. Eu quero ver só essas escolas estaduais com esse ensino pífio, conseguir ensinar de modo eficaz tal flexibilização e ainda sim conseguir com que a pessoa consiga amplamente distinguir o vocabulário em um momento de lazer de uma entrevista de emprego. Esquecem-se que boa parte daquilo que falamos errado vem justamente de vícios, que de tanto repetir em nossas cabeças, de vez enquando acaba saindo em um momento inadequado. Creio que as pessoas que ouvem talvez pudessem ser mais flexíveis quanto a um erro falado, sem ter preconceito. Mas daí já colocar em livro e ensinar que de certa forma, os erros supracitados são corretos, pra mim é uma total falta de juízo, estabelecendo valores medíocres para a nossa língua.

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  4. Concordo Pascoal,nosso idioma é muito difícil e sem contar que este nosso Brasilzão é enorme e em outros paises, talvez, estas diferenças fossem chamadadas de "dialetos",por que não???

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  5. Legal amiga Suely, então quando nossos jovens estudantes forem ler a respeito do Brasil, que esteja nos livros que no Brasil se fala o Português e mais 10 dialetos, igual em alguns países da África por exemplo, ou nas regiões extremas da Ásia e não apenas o Português, como constam em todas as enciclopédias. Ou então que se faça a separação, como na Espanha, o Espanhol e o Catalão.
    Agora amigos, sei que essa discussão é polêmica, mas vocês não acham que desa forma,coma flexibilização da fala, daqui uns dias muitos jovens vão começar a escrever de forma completamente errada e viciosa? Do mesmo jeito que acontece hoje, devido a Internet Ex: "Pq" "vc" (sendo que muitos por descuido transcrevem esta ligua cibernética para outros ambientes). Será que nas próximas redações, mesmo por descuído, por um vício, as pessoas vão se habituar a achar indiferente o fato de se escrever "As porta" Nós vai" ? Como eu disse acima, eu quero ver é a população conseguir ter dicernimento de onde usar e onde não usar tal flexibilização.

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  6. Disponibilizei no post acima o link para baixar o 1º capítulo do livro, alvo da polêmica.
    É só clicar e baixar. Quem quiser, pode ir no endereço abaixo:
    https://sites.google.com/site/geraldopascoal/LivroadotadopeloMEC-Porumavidamelhor-Cap%C3%ADtulo1.pdf?attredirects=0&d=1

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  7. Muitos jovens e adultos já escrevem muito errado o nosso português e só escreverá certo,como sempre,aqueles que tiverem um interesse real em aprender a ler e a estudar para melhor fazê-lo.A nossa lingua é toda misturada (como nós)e não é qualquer um que pode "abrir o bocão" pra dizer que não comete nem um erro de português!!!É lógico que o bonito de verdade é quem fala e escreve bem,mas que não é para qualquer um,não é mesmo....
    E os "dialetos" não são usados só na Ásia e na África e sim na europa praticamente toda também!!!!!

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  8. Só usei os exemplos da África e Ásia para exemplificar a explanação. Se for citar todos, haja espaço Agora, vc mesmo disse que muito jovens e adultos escrevem errado,se é assim,flexibilizando a língua não vai ajudar em nada. Afinal, ai é que ninguém vai ter interesse mesmo. Afinal, tenho certeza que vão banalizar a flexibilização. Gente, melhor deixar do jeito que está mesmo. Afinal, nós já temos a idéia de vicios de linguagem e da diferença entre uma situação pragmática e uma de lazer. Não vamos dar força para que ninguém se esforce em saber qual é o jeito certo em determinados locais. Afinal, caso isso aconteça, voce ainda vai escutar alguem te dizendo: " Que diferença faz? Está no livro"? Simplismente vamos começar a trabalhar com valores semióticos medíocres.

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  9. Simplesmente,nós ja temos dialetos não oficiais.Certa vez,estive em Florianópolis e não conseguia entender quase nada do que eles diziam...

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  10. De matemática eu não entendo quase nada
    mas no português eu me agaranto!!!!!!KKKKKKKKKKKKKK

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  11. Ah, amigo anônimo das 16:43, me desculpe, mas você então não fala Português. Tá certo que há variações da nossa língua, principalmente pela extensão do território. Agora falar que quase não entendeu nada, porque estava em Floripa vc tá de brincadeira comigo. Eu já fui inclusive em Floripa, diga-se de passagem, cidade linda;também fui em Curitiba, Recife, Maceió, São Luis e Natal. Não tive problema com isso não. Vc tá igual meu colega falando que não compreende direito o intercambista de Portugal que está na nossa sala. Eu, hein? Vc fala que idioma, anônimo? Eu gostaria de saber do amigo Pascoal, só por curiosidade, se ele já teve este tipo de dificuldade em outros estados.

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  12. Hiiiii,"bangalô treis veis!!!"

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  13. Anônimo das 16:43 respondendo ao anônimo das 18:51 - É só você pesquisar no google,que você vai ver que estou falando a verdade.

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