Por Kelly Diniz – Tribuna de Minas - Juiz de Fora – 24mai2015
Serviço de medicina paliativa, que busca amenizar sofrimento de pessoas com doenças terminais, é escasso na cidade
Você trouxe o remédio para curar a minha mãe?” A frase dita por uma criança, cuja mãe estava em fase terminal, para a psicóloga Thathyana Rocha exemplifica o desconhecimento da sociedade sobre um segmento relativamente novo da medicina: o cuidado paliativo. A especialidade engloba uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e assistentes sociais cujo objetivo é proporcionar qualidade de vida ao paciente terminal, amenizando sua dor e sofrimento. Em Juiz de Fora, pouquíssimas equipes e profissionais levam a filosofia paliativa para dentro dos consultórios e hospitais. Nenhum hospital na cidade conta com uma equipe focada nesse tipo de cuidado. Nem mesmo na rede privada. Entre os planos de saúde, a Unimed oferece o serviço dentro da atenção domiciliar. Segundo a gestora do Centro de Promoção à Saúde da Unimed, Juliana Albuquerque, são cerca de 900 pacientes atendidos pela atenção domiciliar, na qual são realizados os cuidados paliativos.
Entretanto, temas delicados como o fim dos recursos curativos disponíveis e, principalmente, a morte, envolvem a especialidade, somente reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina em 2011, em grande resistência. “A formação convencional não leva em consideração a terminalidade. É voltada para o salvar, o curar e não para a qualidade de vida e o respeito pela vontade”, explica o geriatra Francisco de Assis Pereira, pós-graduado em cuidados paliativos. “Minha motivação foi ao ver meus pacientes em condições terminais e não saber o que fazer por eles”, completa o geriatra. Para Thathyana, psicóloga especializada em cuidados paliativos, a sociedade tem receio em lidar com a morte e, em consequência, possui um pensamento “curativo”. “Muitas famílias acreditam que levar para o hospital é a melhor solução. O que muitas vezes não é.”
Para o médico paliativista Bruno Reis, essa resistência é fruto da falta de conhecimento sobre o cuidado. “Ele promove o controle de sinais, dores e sintomas que, muitas vezes, o paciente tem, só que como o foco está sendo o controle da doença, eles passam despercebidos. O cuidado paliativo não olha a doença, olha o conforto da pessoa.” Outro mito desmentido por Bruno é a crença de que cuidado paliativo excluiria o tratamento. “A maioria das pessoas acredita que o cuidado significa que a pessoa não irá poder se tratar. Mas é totalmente equivocado. Se a pessoa tiver condições físicas, ela pode fazer uma quimioterapia concomitante com o cuidado paliativo.” A especialidade trata, ainda, de questões sobre a morte. “Tentamos definir como o paciente quer morrer, quais pessoas ele quer que estejam presentes. Se a morte será no hospital ou no próprio domicílio. São as diretivas antecipadas da vontade. Ele pode bloquear uma respiração artificial, por exemplo, ou uma ida à UTI (unidade de tratamento intensivo). Mas, é claro que nem todos os pacientes vão ter condições emocionais de discutir isso”, diz Bruno.
Encaminhamento tardio
Outro problema enfrentado pelos especialistas da área é o encaminhamento tardio dos pacientes. “Muitos chegam com dias de vida. Para melhorarmos a qualidade de vida deles, precisamos de mais tempo.” Bruno explica que o momento ideal para o encaminhamento ao cuidado paliativo é a partir do diagnóstico de uma doença avançada. “No caso do diagnóstico do câncer, o momento ideal é quando a pessoa teve metástase e a cura não é mais possível. Já para os casos fora do câncer, há maior dificuldade em conectar esse momento. Mas é quando o paciente está acamado, não consegue se alimentar e precisa de cuidados o tempo todo.”
Tratamento e calor da família
Juliana conta que, para o cuidado paliativo, não existe a famosa frase médica: “não temos mais nada a fazer por você.” O geriatra Francisco de Assis Pereira, pós-graduado em cuidados paliativos e que atua na equipe da Unimed conta um caso em que uma idosa com mais de 80 anos surpreendeu a equipe. “Ela tinha um tumor ósseo avançado. Chegou para a gente muito emagrecida, com dor, acamada, com depressão e ansiedade. Fomos tratando a dor, conseguimos dar qualidade de vida para a paciente. A nossa fonoaudióloga tirou a sonda da paciente e ela voltou a se alimentar do que gosta, a sentir prazer em comer. Ela conseguiu estender a expectativa de vida que tínhamos para ela e com qualidade.”
Bruno explica que a morte em uma UTI é muito ruim. “A UTI é para pacientes agudamente enfermos, mas que tem possibilidade de resolução do problema. Agora, um paciente com câncer avançado, que vem piorando ao longo das semanas, não deve ir para a UTI, pois a doença irá continuar e será gerado sofrimento. Se o paciente morre na UTI, ele morre sozinho, sem os familiares presentes. É um prolongamento artificial da vida, sem qualidade. O cuidado paliativo é a morte no tempo correto, o que chamamos de ortotanásia. O paciente vai embora no tempo em que ele tem que ir. Você não estende e nem encurta esse caminho.”
No SUS
Para o médico paliativista Bruno Reis, a melhor forma de chegar ao público-alvo do cuidado paliativo por meio do SUS seria na implantação do serviço na atenção primária à saúde. “Porque na atenção primária surge de tudo e a medicina da família engloba essa questão da visita domiciliar. É preciso criar políticas para inserir esse cuidado no sistema público de saúde.”
No SUS, o que se aproxima de um cuidado paliativo é o serviço de Internação domiciliar. “Nós fazemos alguns cuidados paliativos em pacientes crônicos e terminais. Disponibilizamos equipamentos para que o paciente tenha mais conforto como cama hospitalar”, afirma a chefe do Departamento de Internação Domiciliar, Verônica Mendonça Lima. No entanto, esse não é o foco do serviço. “O objetivo é desospitalizar, liberar leito e propiciar o convívio do paciente junto a família. Acompanhamos o paciente em domicílio, estabilizamos e o passamos para a atenção primária”, explica Verônica. No cuidado paliativo, o paciente é acompanhado até o final. “Após a morte do paciente, ainda há o acompanhamento dos familiares no processo de luto”, conta Bruno.
Simpósio
No próximo mês, especialistas da área irão discutir a temática no I Simpósio de Cuidados Paliativos da Zona da Mata. O evento acontece nos dias 19 e 20 de junho, no Auditório do Centro de Ciências da Saúde da UFJF (atrás da Faculdade de Odontologia). Serão debatidas questões sobre a finitude humana, controle de sintomas no processo de morte, uso de opioides, e aspectos éticos e jurídicos sobre a terminalidade da vida. As informações sobre inscrições, programação e palestrantes estão disponíveis no site www.cuidadopaliativojf.com ou pelos telefones (32) 3311-4000 e (32) 84002-2762.
Matéria sugerida pelo do Dr. Bruno Fernando da Silva Reis
(Especialista em Clínica Médica com Área de Atuação em Medicina Paliativa pelo Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (2013-2014) RQE No 30.928
Especialista em Clínica Médica pelo Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (2011-2012) RQE No 30.927
Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (2007) CRM-MG 46.251)
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