terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O homem que roubou o Natal de Jesus

Por Cynara Menezes

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No shopping próximo à minha casa, o tema da decoração de Natal é “a floresta encantada de Papai Noel”. Juro que procurei entre as folhagens de plástico, as girafas de pelúcia e os chimpanzés músicos para ver se o achava, mas não encontrei Jesus. Nada de Maria, José, do anjo, dos reis Magos e das cabras, bois e vacas. Nada que se assemelhasse a uma manjedoura. Enfim, nada de Natal na decoração de Natal.

Fiquei pensando quando foi que o menino Jesus deixou de ser protagonista de sua própria festa de aniversário. Jesus, o profeta a quem, pelo menos nas estatísticas, um terço da humanidade dedica sua fé, faz uma ponta no Natal hoje em dia. A figura central, a grande estrela da maior festa do mundo cristão é um velho barbudo de aparência nórdica que só criancinhas acreditam que exista. E, aparentemente, ninguém está nem aí.

O Natal é uma verdadeira cilada. TVs, jornais, familiares, tudo conspira para que você se sinta tomado pelo “espírito natalino”, que se traduz em: se meter em shoppings abarrotados de gente para comprar coisas que sairiam pela metade do preço no mês seguinte. Mesmo que você não queira participar, é obrigado a seguir o fluxo porque não quer que seus filhos cresçam traumatizados por não ganhar presente quando todo mundo recebe –do Papai Noel, claro, aquele gordinho que espera o ano todo por este bico, suarento debaixo da roupa vermelha e da barba branca em pleno verão brasileiro.

Aliás, a disparidade entre o que se construiu como “Natal” no hemisfério Norte e a realidade dos trópicos é um mico à parte. Bonecos de neve de feltro, de gorro, cachecol e cenoura no lugar do nariz, se espalham pelo País e tomam de assalto até as repartições públicas, enquanto as secretárias se abanam de calor. O “jeitinho” brasileiro se desdobra para recriar a atmosfera gélida, condição sine qua non para que o “espírito natalino” baixe, e dá-lhe neve de pipoca, de isopor, de algodão… Tenho certeza que nunca seremos uma nação de fato enquanto precisarmos macaquear um clima que não é nosso para conseguir algo tão singelo quanto o congraçamento familiar.

Não conheço nenhuma festa religiosa no mundo cujas principais manifestações sejam gastar muito dinheiro, comer para caramba e encher a cara. A festa máxima dos cristãos é a festa religiosa mais capitalista do planeta. E olhem que a mensagem de Cristo era o exato oposto. Não foi o filho de Deus quem expulsou os vendilhões do templo? Não foi ele quem disse que “é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”? Quer mensagem menos capitalista do que esta?

Mas falar dessas coisas é querer estragar a festa, quebrar a “magia” do Natal –muito embora a única visível seja o mágico tilintar das caixas registradoras. Para o comércio, a data é uma bênção. Para as igrejas, o mundo do dinheiro nunca foi exatamente um incômodo e pode, afinal de contas, render belos donativos. Tampouco parece ser um empecilho que os fiéis gastem todo o 13º salário e se endividem em compras, porque depois engrossarão as fileiras dos que procuram as casas de Deus em busca de conforto não para os flagelos da alma, mas do bolso.

Tem igrejas pentecostais que vivem disso, de oferecer aos crédulos a superação das dívidas financeiras e o sucesso econômico através do poder de Deus. De que lhes serviria abrir os olhos dos fiéis e pregar que o Natal não é sinônimo de gastança? Deixa quieto, Papai Noel é bem mais conveniente que Jesus, até porque não fere suscetibilidades. Sem essa de rico não poder entrar no reino dos céus: seja rico ou seja pobre o velhinho sempre vem, não é mesmo? “Compre, compre. Ho, ho, ho”.

Meu lado cristão se revolta de ver que o Natal se transformou nessa pseudo festa religiosa, vazia de significado espiritual. Em vez de se incomodar com a vida íntima do próximo, de tentar interferir na orientação sexual do semelhante ou de se empenhar em lutas surreais como a cruzada contra a proteção da camisinha, as igrejas cristãs deviam se dedicar a repensar sua festa mais importante. Se os cristãos fossem de fato cristãos, tinham de estar preocupados que o nascimento de Jesus perdeu o lugar para o consumismo que o Papai Noel representa. Tentar resgatar a mensagem do Natal: esta, sim, seria uma luta de fato agregadora, digna da data e do aniversariante.

Dá para começar em casa, montando o presépio com as crianças como aconteceu no passado e, no mínimo, explicar a elas que o dono da festa não é o Papai Noel, que não é por causa dele que o Natal existe. Quantos cristãos fazem isso?

Boas festas a todos.

Extraído do Blog Socialista Morena

Um comentário:

  1. Nélio Azevedo disse:
    Bom dia, Pascoal.
    Esse texto sobre o Natal vem reforçar tudo que eu disse na mensagem que te mandei e, me faz lembrar de um episódio que aconteceu envolvendo a minha irmã, Neli, ao trabalhar com a reciclagem e capacitação de professores da rede pública - não sei se foi em Raul soares - quando ela propôs às professoras que trabalhassem coisas condizentes com a nossa cultura e citou a questão do Natal norte-americano-europeu que a gente praticava aqui, com velhinho vestido com uma roupa extravagante e inadequada para nosso clima, de ter neve na árvore quando a qui é Natal; todas essas coisas que nos fazem consumir para sermos felizes. Então uma das professoras reagiu indignada e disse que isso era uma grande bobagem já que a tradição era de um Natal como todos já conheciam e que não se podia quere tirar do Natal a sua figura mais importante, o Papai Noel. Foi, então que a Neli lhe dissera que a figura mais importante do Natal era Jesus, pois, nessa data se comemoravam o aniversário dele. As pessoas já estão tão impregnadas dessa tradição consumista que nem se lembram mais da origem da festa. Não tenho nada contra dar presentes nessa data, gosto muito de ganhar e presentear as pessoas, mas, não pode ser só isso, mesmo não tendo crenças religiosas que me remetem ao Natal religioso, celebro sem o menor constrangimento essa festa cristã já que Jesus veio para a humanidade, o que extrapola essa questão e nos remete a outra esfera. Tenho plena consciência de que o meu caráter humanitário foi forjado com os conceitos cristãos ministrados por minha mãe, adoradora de Maria e católica fervorosa como todas as mães devem ser, mas, a razão de todas essas coisas estão fundamentadas na razão que o meu saudoso pai nos transmitiu, razão baseada na lei e no direito. Frutos de uma compreensão maior do amor ao próximo.
    Maravilhoso esse texto, pena que a chatisse da pasteurização da sociedade e do pensamento irá repudiar.
    Abraços,
    Nélio Azevedo

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