terça-feira, 5 de outubro de 2010

Um pouco de poesia

maq_escrever

MÁQUINA DE ESCREVER

Giuseppe Ghiaroni

Mãe!

Se eu morrer de um repentino mal
Vende meus bens a bem dos credores,
A fantasia de festivas cores
Que usei no derradeiro carnaval.

Vende este rádio que ganhei de prêmio
Por um concurso num jornal do povo;
E aquele terno novo, ou quase novo,
Com poucas manchas de café boêmio.

Vende meus óculos antigos,
Que me davam uns ares inocentes.
Já não precisarei de duas lentes
Para enxergar os corações amigos.

Vende, além das gravatas, do chapéu,
Meus sapatos rangentes; sem ruído
É mais provável que eu alcance o céu
E logre penetrar despercebido.

Vende meus olhos a um judeu qualquer
Que os guarde numa loja poeirenta,
Reluzindo na sombra pardacenta,
Refletindo um semblante de mulher.

Vende tudo ao findar a minha sorte
Libertando a minhalma pensativa,
Para ninguém chorar a minha morte
Sem realmente desejar que eu viva.

Podes vender meu próprio leito e roupa
Para pagar aqueles a quem devo.
Vende tudo, minha mãe, mas poupa
Esta caduca máquina em que escrevo.

Mas poupa a minha amiga de horas mortas,
De teclas bambas e tique-taque incerto;
De ano em ano, manda-a ao conserto
E unta de azeite as suas peças tortas.

Vende todas as grandes pequenezas
Que eram o meu humílimo tesouro.
Mas não! Ainda que ofereçam ouro,
Não vendas o meu filtro de tristezas.

Quanta vez esta máquina afugenta
Meus fantasmas da dúvida e do mal.
Ela que é a minha rude ferramenta
E meu doce instrumento musical.

Bate rangendo numa espécie de asma.
Mas, cada vez que bate, é um grão de trigo.
Quando eu morrer, quem a levar consigo,
Há de levar também o meu fantasma.

Pois será para ela uma tortura
Sentir nas bambas teclas solitárias,
Um bando de dez unhas usurárias
A datilografar uma fatura.

Deixe-a morrer quando eu morrer.
Deixe-a calar numa quietude extrema,
À espera do meu último poema
Que as palavras não dão para fazer.

Conserve-a, minha mãe, no velho lar,
Conservando meus íntimos instantes.
E nas noites de lua não te espantes
Quando as teclas baterem devagar.

3 comentários:

  1. Laura Nogueira Tartaglia6 de outubro de 2010 às 01:43

    Eu tenho esta veneração por minha velha máquina de escrever! Agora uso sem nenhuma intimidade e pouquíssimo conhecimento o computador,mas da minha velha "remington"não abro mão!!! Graças aos incentivos do meu avô e à paciência da Dona Ondina Roque aprendi a usá-la e a partir daí tomei gosto pela escrita e pela vontade de escrever!!!

    ResponderExcluir
  2. QUE COISA LINDA PASCOAL -ONDE VOCE ARRANJOU ESTA NÃO TEM MAIS PARA POSTAR PARA A GENTE?
    QUE COISA BOA ACORDAR E LER UMA POESIA COMO ESTA...MARAVILHOSA.. GOSTEI, AMEI,ADOREI E ME APAIXONEI COM ELA - PARABENS NOTA 1000 COM LOUVOR

    ResponderExcluir

Todos os comentários são moderados e não serão aceitas mensagens consideradas inadequadas.